• ANÁLISE E ATAQUES

    Entenda por que Janja se tornou alvo de ataques da extrema direita

    De bode expiatório dos extremistas a agente estratégica contra o autoritarismo, ela rompe molde silencioso das primeiras-damas e reforça face progressista do governo Lula

    Créditos: Fernando Frazão/Agência Brasil
    Escrito en BRASIL el

    A primeira-dama Janja foi atacada massivamente em seis ocasiões desde a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de acordo com dados levantados pela Fórum sobre as incidências já registradas nas redes sociais, na mídia imprensa e em pesquisas. Os ataques são de teor misógino e conservador, assim como há insinuações maldosas sobre sua atuação no governo. Mas, afinal, por que Janja incomoda tanto a extrema direita? A resposta curta é simples: porque ela representa tudo que esse espectro político rejeita. Contudo, o debate vai muito além disso.

    Janja tem uma postura ativa como primeira-dama, quando historicamente as companheiras dos presidentes tendem a se neutralizar e se tornarem quase invisíveis e apolíticas, sendo ela e a ex-primeira-dama do governo de Jair Bolsonaro, Michelle, as que mais tiveram voz. Dessa forma, a figura de Janja contrasta imediatamente com a primeira-dama anterior para extremistas de direita, o que gera um antagonismo político para eles. E não só isso: além de um incômodo político, ela é também uma forma mais “fácil” de atacar Lula, pois Janja rompe o papel tradicional de alguém que ocupa esse posto.

    Afinal, foi graças a ela e ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes que não se consumou um golpe de Estado durante o primeiro ano do terceiro mandato de Lula como presidente. Enquanto Moraes segurou a República na caneta durante as eleições, quando era presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Janja manteve a República ao não deixar se consumar um decreto de Garantia de Lei e de Ordem (GLO) durante os ataques golpistas de 8 de janeiro.

    Janja foi a única mulher pública a agir ativamente durante o 8 de janeiro, justamente pela formação como socióloga – área do conhecimento que estuda, justamente, a maneira como as pessoas vivem e se comportam em grupo, e/ou enquanto sociedade. Essa área de conhecimento faz com que o profissional nela formado possua uma facilidade/hábito na identificação de padrões sociais. Na política, a sociologia ajuda a entender melhor os padrões comportamentais políticos, e pode prevenir – como preveniu – situações como as vividas no 8 de janeiro.

    “Janja me avisou: não aceita o GLO”, afirmou o presidente Lula durante o 8 de janeiro, na época.

    Só com a junção desses três fatores (postura ativa, papel não tradicional e antagonismo político) ela já se torna um alvo. Há, contudo, mais três: misoginia (muitos dos ataques nas redes sociais se referem à sua aparência, voz, comportamento ou idade, por exemplo, o que não ocorre com homens no mesmo patamar que ela), simbologia (“vilã”, o que seria equivalente a uma “petista radicalizada” para a extrema direita), e estilo de vida (sob acusações de “hipocrisia” pelo estilo de vida em contraste com pautas defendidas, o que geralmente ocorre antes de viagens internacionais).

    A primeira-dama e as estruturas de poder dentro e fora do governo

    O analista político, doutor em ciência política e diretor da Dominium Consultoria, Leandro Gabiatti, considera que o protagonismo de Janja em agendas públicas e sociais escancara uma tensão latente na política institucional brasileira: até que ponto uma figura sem mandato pode — ou deve — participar ativamente do governo?

    Segundo Gabiatti, existe uma expectativa tradicional de discrição em relação aos cônjuges de chefes de Estado, especialmente em regimes presidencialistas como o do Brasil. “É uma figura que não tem votos, não tem cargo formal, então precisa tomar muito cuidado com sua exposição”, argumenta. No entanto, ele reconhece que o parceiro ou parceira do presidente pode exercer um papel significativo no campo simbólico e institucional.

    No caso de Janja, a postura ativa tem incomodado setores conservadores e também parte do eleitorado de centro, que enxergam sua atuação como uma espécie de “transgressão” ao papel historicamente reservado às primeiras-damas e primeiros-cavaleiros — um papel tradicionalmente ao campo assistencialista e decorativo. A crítica, porém, escamoteia uma questão maior: por que se espera que mulheres próximas ao poder permaneçam caladas?

    Para Gabiatti, o episódio recente em que Janja teria se manifestado em uma reunião diplomática com outra potência — o que, segundo o especialista, fere os protocolos do Itamaraty — gerou um ruído político que foi prontamente explorado pela oposição. Mas há também uma armadilha discursiva. Quando a primeira-dama assume posições, ela é acusada de interferência, quando se mantém em silêncio, é criticada por omissão. A linha entre a atuação propositiva e a suposta “exposição indevida” é, muitas vezes, desenhada com tinta machista.

    A formação de Janja em sociologia é vista por Gabiatti como um trunfo que poderia ser melhor canalizado para agendas sociais mais estratégicas. Ele sugere, por exemplo, que a primeira-dama concentre esforços em regiões como o sertão nordestino ou Roraima, onde a presença do Estado é vital para enfrentar a pobreza extrema e a crise migratória. “Ela pode ter uma agenda muito ativa sem necessariamente falar tanto. Só o fato de estar lá já gera visibilidade e reforça as ações do governo”, afirma.

    A crítica de Gabiatti aponta, sobretudo, para a necessidade de alinhar forma e conteúdo. O ativismo da primeira-dama, em vez de ser um ruído, pode se tornar um potente amplificador das políticas públicas do governo federal, como o Bolsa Família ou o programa Pé-de-Meia.

    O debate sobre os limites do papel da primeira-dama, portanto, é mais do que uma questão de protocolo, é um reflexo da disputa simbólica em torno do poder. Em um governo que se propõe progressista e popular, a atuação de Janja pode — e deve — desafiar as amarras conservadoras que ainda cercam o Planalto. Afinal, num país em que tantas vozes foram silenciadas historicamente, ver a primeira-dama levantar a sua não deveria ser problema — e sim parte da solução.

    Quanto aos ataques programados da extrema direita, uma sugestão, de acordo com Gabiatti, poderia ser o governo se tornar mais cauteloso e se antecipar aos ataques. “O ideal seria o governo tomar mais cuidado e a própria primeira-dama ter ciência do desgaste que ela pode trazer ao governo, e que dentro desse lugar talvez seja necessário definir-se uma agenda proativa, mas que ao mesmo tempo reforce a imagem do governo melhor”, sugere Gabiatti.

    Os ataques sofridos por Janja em 2022 e 2023

    Ao todo, desde os primeiros registros, Janja já foi atacada massivamente em pelo menos seis ocasiões diferentes desde o começo do governo. Os registros públicos, na imprensa, começaram apenas a partir de outubro de 2022, pouco antes da corrida presidencial entre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro, da qual o petista saiu vitorioso. Nessa ocasião, ela foi ofendida 798 vezes em um único ataque coordenado, de acordo com estudo da revista AzMina, repercutido na mídia tradicional naquele ano.

    No ano seguinte, também em outubro, ela teve que denunciar publicamente os ataques, que aumentaram após a posse de Lula como presidente. Em dezembro do mesmo ano, uma das redes sociais de Janja chegou a ser hackeada e mensagens misóginas foram publicadas.

    Os ataques de 2025, no primeiro semestre

    Dois anos depois, em 2025, o padrão todo recomeça em março e maio. Ela tornou privado o seu perfil após uma chuva de spams de mensagens de ódio (o que a imprensa tradicional chamou de “críticas” em suas manchetes). A maioria das mensagens de “críticas” recebidas eram com conotação de ódio e ataque pessoal, não falando, portanto, do trabalho de uma primeira-dama.

    Veja alguns dos comentários de março daquele ano:

    “É dia das bruxas? credo ??”, “show de horrores”, “Qual das duas tem mais cinismo no olhar????”, “O significado de decadência em uma única foto”, “Onde aperta o botão da descarga!”, “Galinheiro aberto”, “A AMANTE É SEMPRE MELHOR .... Segundo o Lula né”, “É vdd que vc gastou 10 anos pra concluir a faculdade de sociologia? Um dos cursos mais fáceis. PQP”, e outros.

    Em maio, Janja começou a ser atacada pouco antes da viagem à Rússia, com direito a fake news que foram desmentidas a torto e a direito por jornalistas, após se espalhar a mentira de que ela “viajaria com malas de dinheiro à Rússia”, que essas malas "eram grandes e muitas”. Juntas, apenas essas nove publicações de perfis em redes sociais que disseminam fake news ou crimes de ódio contra a primeira-dama acumulam 81,4 mil curtidas. Sozinhas, duas delas, veiculadas na rede social X (antigo Twitter), já somam mais de 147,6 mil visualizações. Além disso, dois perfis fizeram mais de um vídeo sobre Janja no mesmo espaço de tempo.

    Como se não bastasse, uma matéria do portal de origem estadunidense CNN teve que ser retirada do ar após afirmar que “Janja viajava em meio à crise no INSS em avião da FAB com capacidade para 300 pessoas”, o que foi desmentido por um concorrente, o UOL.

    Houve, ainda, ocorrências de ataques na viagem à China. O portal g1, do grupo Globo, reportou que Janja cometeu uma “gafe” durante a reunião de Lula com o presidente chinês Xi Jinping, algo que teve que ser desmentido pelo próprio presidente brasileiro O fato de 58% dos brasileiros terem uma imagem negativa de Janja (de acordo com a pesquisa da AtlasIntel/Bloomberg, veiculada também pela CNN) possivelmente ocorre, portanto, devido à veiculação de material de ódio e fake news da extrema direita e por parte de setores da imprensa tradicional.

    Veja a linha do tempo dos ataques compilados pela Fórum:

    • Outubro de 2022: 798 ofensas nas redes sociais, de acordo com o estudo do MonitorA, da revista AzMina;
    • Outubro de 2023: Janja denuncia ataques recorrentes nas redes sociais desde a posse de Lula como presidente;
    • Dezembro de 2023: a conta de Janja no X foi hackeada e mensagens misóginas foram veiculadas;
    • Março de 2025: Janja teve que privar seu perfil no Instagram após excessivas mensagens ofensivas;
    • Maio de 2025: antes de viagem à Rússia, Janja é alvo de especulações da extrema-direita em plataformas de redes sociais como o TikTok e X, com pelo menos sete canais sendo responsáveis por nove vídeos contendo fake news sobre a primeira-dama;
    • Maio de 2025: Janja é acusada de cometer “gafe” por portal após um relato de fonte presente no encontro com o presidente chinês Xi Jinping, o que exigiu que Lula se dirigisse à imprensa para desmentir, explicando que foi ele quem pediu informações sobre combater problemas que veem ocorrendo nas redes sociais no país.

    Como o governo pode lidar com ataques coordenados nas redes

    Especialistas de comunicação e relações internacionais consultados convergem em um único ponto: a necessidade de antecipar-se às ações de ataque coordenadas, sejam de oposição ou de extrema direita, como as fake news veiculadas massivamente e que invariavelmente resultam numa incapacidade de o governo reagir com rapidez.

    Dessa forma e, aliando-se às questões expostas pelo analista político Gabiatti, algumas sugestões seriam a elaboração antecipada pela comunicação, já considerando os ataques e como seria possível distorcer ações governamentais. Realizando uma ação educativa, antes do próprio ataque mentiroso em si, ou ainda desmistificando as instituições e programas governamentais antes mesmo de implementá-los, o que funcionaria como uma “vacina" para a população.

    Nestas questões, a formação de Janja como socióloga, antes de ser primeira-dama, é fundamental e abre oportunidade para um papel brilhante e silencioso, onde ela deixa de ser alvo e a a tornar-se agente de inteligência no combate às fake news, por meio de detecção dessas ações, coibindo-as por meio de sua figura institucional e intelectual.

    Quem é Janja

    Antes de ser conhecida como Janja, a primeira-dama brasileira tem outro nome: Rosângela da Silva. Ela tem 58 anos e é socióloga, tendo trabalhado na coordenação de programas na estatal Itaipu Binacional, com sede no Paraná. Formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), e especializada em história, Janja tem MBA em gestão social e sustentabilidade.

    O relacionamento com o presidente Lula veio à tona em 2019, durante o período em que o então ex-presidente esteve preso na Superintendência da Polícia Federal no Paraná, em Curitiba, em decorrência de uma sentença farsesca proferida no âmbito da Operação Lava Jato. Eles se casaram em 2022, meses antes da corrida eleitoral da qual o estadista sairia vitorioso.

    Reporte Error
    Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar
    Carregar mais