• MACHISMO E RELIGIÃO

    Coach, Cruz e Camuflagem: A Teologia da performance dos Legendários

    Na terceira reportagem da série sobre os Legendários, uma análise do discurso que mistura fé com autoajuda, meritocracia e culto à produtividade

    Coach, Cruz e Camuflagem: A Teologia da performance dos Legendários.Parte do "treinamento" dos LegendáriosCréditos: Reprodução / Redes sociais LegendáriosBR
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    “Faço parte dos Legendários e meu compromisso é fazer história. (...) Decidi acabar com a minha vida limitada, sair da minha zona de conforto, do meu andar à vista, dos meus planos reduzidos, dos meus joelhos fracos, dos meus sonhos sem cor, das minhas visões dóceis, do meu falar mundano, das minhas ações insignificantes e das minhas pequenas metas.” (Trecho do Manifesto publicado na página do movimento)

    4 dias de caminhadas intensas e atividades de conexão com a natureza, visando transformar homens. Os participantes são desafiados a superar seus limites físicos, mentais e espirituais, buscando uma maior conexão com Deus e a descoberta de seu potencial máximo, como "heróis caçadores". Parece o plano de um treino militar, mas é o “protocolo” sugerido pelos líderes do Legendários para seus seguidores. Um ritual diário que mistura fé, disciplina e controle absoluto da rotina.

    Essa combinação é o coração da proposta Legendária: a masculinidade restaurada depende de uma performance espiritual e física contínua — onde não há espaço para dúvida, cansaço ou fragilidade. O homem deve ser sempre “focado, forte e fiel”. Deus, aqui, aparece mais como um comandante do que como um pai.

    A fé como alta performance – Coaches de Deus

    Dentro do movimento, tudo é medido em termos de desempenho: há desafios espirituais e físicos que impõem a performance do “macho-alfa”. A estética do militarismo, tão presente nos vídeos e eventos, não é por acaso. Se você falha, é porque está afrouxando no espírito. A falha não é só humana: é pecado.

    A estrutura do Legendários é muito parecida com a de programas de coaching de alta performance — e não por acaso. Há vários elementos de coaching motivacional, PNL (Programação Neurolinguística) e empreendedorismo cristão. Eles usam uma linguagem híbrida: bíblica o suficiente para ser aceita nos púlpitos, e moderna o bastante para circular no Instagram. Transformaram Jesus em um coach e o discipulado em uma jornada de autoaperfeiçoamento.

    A masculinidade como missão

    A pressão por uma masculinidade inabalável é um dos pontos mais sensíveis do movimento. As fraquezas — físicas ou emocionais — são vistas como brechas espirituais que precisam ser eliminadas. Depressão, insegurança, dúvidas de fé ou conflitos conjugais são tratados, em muitos casos, como “falta de virilidade espiritual”.

    Há um apelo constante para que interiorizem que ser vulnerável é ser fraco. Que homem de verdade não chora, não questiona, não pede ajuda. Isso gera um ciclo de culpa e repressão que pode levar à exaustão emocional ou até ao colapso mental.

    Guerra espiritual ou culto à força?

    O que o Legendários apresenta como “restauração masculina” é, para muitos estudiosos, uma forma sofisticada de culto à força, travestido de espiritualidade. A lógica do coach, que exige constante superação e culpa o indivíduo por seus fracassos, encontra um campo fértil em jovens cristãos inseguros e sem referências afetivas.

    O homem ideal do movimento não existe. Ele é uma ficção de virilidade constante que só serve para alimentar um ciclo de cobrança e autoritarismo, o problema não é propor disciplina ou espiritualidade ativa, mas atrelar o valor do homem à sua capacidade de performar — inclusive espiritualmente. É uma masculinidade que não ama, só conquista. Eles dizem que estão formando líderes. Mas muitos estão formando robôs: homens sem contato com o próprio afeto, treinados para obedecer e não para sentir.

    Na próxima reportagem, vamos explorar como o movimento se conecta com a política — e como a ideia do “homem restaurado” se tornou uma ferramenta ideológica de direita.

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