• LITERATURA

    Jorge Luis Borges: por que ler o autor mais premiado da literatura Argentina

    O contista mais premiado da literatura argentina, com obras traduzidas para mais de 38 idiomas, é também um dos maiores escritores da literatura do século 20

    Fotografia de Jorge Luis Borges.Créditos: Wikimedia Commons
    Escrito en CULTURA el

    Jorge Luis Borges, como ficou conhecido Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo, nasceu em 1899, em Buenos Aires.

    Um dos maiores escritores de língua espanhola do século 20, Borges, mais famoso pela obra-prima O Aleph (1949), teve uma formação robusta, que explica, em parte, seu repertório longo de referências históricas, seu amor por mitos e pelo folclore, e seu conhecimento extenso de outros autores e obras brilhantes.

    Além de ter vivido na Suíça com a família durante parte da vida, Borges viajou pela Espanha e, depois, decidiu estudar Direito na Universidade de Buenos Aires. Também estudou na Universidade de Cambridge, no Reino Unido (país que é plano de fundo de alguns de seus contos), para tornar-se professor.

    Borges ou a lecionar Literatura na Universidade de Buenos Aires e, em 1955, foi tornado o diretor da Biblioteca Nacional do país.

    O trabalho de Borges, que se tornou internacionalmente famoso em 1960, com a tradução de suas obras nos EUA e na Europa, tem um traço de surrealismo e narrativa fantástica, embora, em alguns de seus contos, ele diga, a partir da perspectiva de seu narrador (afeito à primeira pessoa), não gostar de enfeitar a realidade.

    Mas é assim que a genialidade de Borges se faz: com uma escrita sóbria e, a um primeiro instante, crua, a forma de falar, com frases curtas e aparentemente objetivas, mas envoltas de repente em metáforas disfarçadas de referências, ele envolve o leitor e o transporta, sem que perceba, à sua atmosfera narrativa.

    Escritor mais premiado da literatura argentina, com obras traduzidas para mais de 38 idiomas, Borges recebeu o Prêmio Nacional de Literatura, em 1961, e o Prêmio Cervantes em 1980. 

    Em seu O Aleph, o livro de histórias curtas por que é mais conhecido, que influenciou autores como o Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, Borges fala da condição humana, da pretensão de imortalidade, expõe lendas e usa símbolos para tratar, de maneira metafísica, da relação dialética entre finito e infinito.

    O Aleph, Jorge Luis Borges.
    Crédito: DEBOLSiLLO

    No conto que dá o nome à obra, O Aleph, o protagonista se depara — e pensa ter enlouquecido — com um ponto minúsculo na escada de um porão que "dá para o mundo inteiro".

    Borges cria, nO Aleph, um espaço "particular de um infinito inalcançável", como descreve em artigo Pedro Breja Aguiar.

    “Borges desestrutura a narrativa tradicional com a ideia de infinito, uma narrativa sem fim, um tempo sem fim, um universo sem fim, e, assim, desestabiliza não apenas a relação entre o fictício e o real, como também corrói a linha que separa o humano e o divino”, prossegue.

    O tom fantástico é sempre disfarçado sob o cotidiano de um observador resignado, que é levado a experimentar o que há de mais inverossímil no mundo, ou a interpretá-lo com a bagagem cultural (que costuma ser rica) que traz consigo.

    Escritor de contos, Borges tem em Ficciones, que recebeu o Prêmio Internacional de Literatura em 1961, outro de seus títulos mais famosos.

    Dividido em duas partes, Ficciones começa com O Jardim de Caminhos que se Bifurcam, que inclui uma crítica literária do autor de Dom Quixote e uma abordagem metafísica da cidade de Babel, em que um bibliotecário intenta decifrar mensagens contidas nos volumes de uma biblioteca infinita, que guarda "todas as possibilidades da realidade" (um eco frequente nas suas produções: a infinidade se limita pelo que nela é findo).

    A segunda parte, “Artifícios”, traz contos sofisticados, inclusive uma digressão sobre as três possíveis versões de Judas, escritas como crítica à obra de um teólogo fictício. O narrador teoriza o papel de Judas como instrumento necessário de Deus, sua figura de asceta ou, talvez, de próprio Deus: teria Deus se feito homem, e se feito Judas, a fim de sofrer o sofrimento absoluto e negar-se toda a Glória?

    No seu Livro de Areia, de 1975, publicado postumamente, Borges traz uma coletânea de contos que escreveu em idade avançada, com narradores em primeira pessoa e também eles mesmos frequentemente idosos.

    O primeiro conto da obra, O Outro, narra um encontro do protagonista com ele mesmo, mas alguns anos no ado.

    Nele, Borges menciona um fato que é também biográfico: na idade avançada, ganhou uma cegueira parcial que lhe afetou a visão, mas o tornou ainda mais literário.

    Livro de Areia, Jorge Luis Borges.
    Crédito: Companhia das Letras

    No conto, os personagens se encontram corriqueiramente num banco que encara o rio, um mais velho e um mais novo, mas ambos a mesma pessoa, descobrem que não conseguem se entender. "Éramos diferentes demais e parecidos demais", diz o narrador, o homem mais velho. "Na Inglaterra seu nome é fetch ou, de modo mais livresco, wraith of the living; na Alemanha, Doppelgänger. Suspeito que um de seus primeiros apelidos tenha sido o de alter ego. Esta aparição espectral terá procedido dos espelhos de metal ou de água, ou simplesmente da memória, que faz de cada um deles um espectador e um ator. Meu dever era conseguir que os interlocutores fossem suficientemente diferentes para serem dois e suficientemente parecidos para serem um", dirá Borges sobre o conto.

    Vários dos contos do Livro de Areia são histórias tomadas pelas considerações do narrador, que está cansado e amadurecido, "não acredita nos métodos do realismo, gênero artificial, se é que isso existe", e "prefere revelar de uma vez só o que compreendeu gradualmente."

    "Para um pobre rapaz provinciano, ser jornalista pode ser um destino romântico, assim como um pobre rapaz da capital pode imaginar que é romântico o destino de um gaúcho ou de um peão de chácara", diz o narrador de seu conto O Congresso.

    No conto, o narrador fala de um projeto utópico, o "Congresso do Mundo", que reúne representantes de toda a humanidade, nações, classes e idiomas para formar um tipo de parlamento universal.

    Embora a ideia seja absurda, nas palavras de Borges se torna um acontecimento inequívoco, presenciado pelo narrador de maneira ageira.

    O grupo de congressistas mundiais se dedica a "aprender todas as línguas", "estudar todas as culturas" e tem a pretensão de organizar uma biblioteca universal para condensar esse conhecimento.

    No conto que dá o nome à coletânea, O Livro de Areia, o narrador se torna um colecionador de livros raros que recebe a visita de um vendedor de Bíblias. O homem mostra a ele o "Livro de Areia", um livro sem fim nem começo, no qual é impossível voltar à mesma página duas vezes. O narrador oferece sua aposentadoria pelo livro, que o vendedor havia comprado de um homem que não sabia ler "em troca de umas rúpias e da Bíblia".

    O conto abre com um trecho de um poema de George Herbert: "thy rope of sands", uma metáfora para a prisão da própria mente, em que as limitações são autoimpostas, mas, assim como uma corda feita de areia, podem ser facilmente rompidas.

    A obra de Borges é grande porque muitas vezes se disfarça de trivial (e disso não tem nada). E é um retrato de muitos mundos, de espaços infinitos que se comprimem o tempo inteiro por nós mesmos, mas podem ser ados com alguma habilidade de observação mais atenta.

    Os personagens de Borges são, como é natural, ele mesmo: simples e curiosos, dotados de um saber de mundo específico, eles se dispõem a conversar com os elementos que compõem a realidade, e isso, como se sabe, também a modifica.

    Afinal, dirá um personagem de Borges, "existirá na Terra algo sagrado ou algo que não o seja?"

    Reporte Error
    Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar
    Carregar mais