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    Propaganda eleitoral antecipada e os limites legais vigentes - Por Guilherme Barcelos

    É notória, hoje, a maior permissividade no período de pré-campanha. Mas isso não significa que vale tudo. Existem limites à liberdade de expressão — e esses limites são legais.

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    A propaganda eleitoral só é permitida a partir do dia seguinte ao prazo final para o registro das candidaturas — ou seja, a partir de 16 de agosto do ano da eleição. A temática está prevista no artigo 36-A da Lei nº 9.504/97. A jurisprudência, por sua vez, tem buscado se adequar, eleição após eleição, à maior permissividade conferida pelo legislador ao período de pré-campanha.

    Desde a reforma de 2015, o período oficial das campanhas eleitorais foi reduzido pela metade — de 90 para apenas 45 dias. Em contrapartida, o legislador acabou permitindo um cenário de maior liberdade no curso da chamada pré-campanha, introduzindo o dispositivo legal acima referido no texto da Lei das Eleições. Isso, diga-se, ou a gerar debates acadêmicos e jurisprudenciais.

    A rigor, portanto, durante a pré-campanha, é vedado apenas o pedido explícito de voto. De resto, em termos gerais, está permitido. Porém — e aqui vale atenção — o pedido explícito de voto não se restringe ao tradicional “vote em mim”. Ele pode ser caracterizado a partir das chamadas “palavras mágicas”, como “conto contigo”, “conto com seu apoio”, “venha junto”, entre outras expressões similares.

    Os pré-candidatos devem também se atentar aos meios proibidos de propaganda eleitoral, que não podem ser utilizados, mesmo no período pré-eleitoral. Da mesma forma, devem observar o caráter módico dos gastos eventualmente realizados nessa fase.

    Importa destacar que os meios vedados de propaganda eleitoral continuam proibidos na pré-campanha, desde que o conteúdo da manifestação tenha vinculação com o pleito futuro e represente algum tipo de expressão econômica. Assim, por exemplo, o pré-candidato não pode utilizar outdoor com conteúdo eleitoreiro, tampouco impulsionar manifestações negativas nas redes sociais.

    É notória, hoje, a maior permissividade no período de pré-campanha. Mas isso não significa que vale tudo. Existem limites à liberdade de expressão — e esses limites são legais: proibição de pedido explícito de voto e uso das “palavras mágicas”, vedação a meios proscritos de propaganda e exigência de gastos módicos. Em linhas gerais, são essas as restrições.

    O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), desde o pleito de 2016, tem procurado interpretar as permissões do artigo 36-A da Lei das Eleições com certa deferência ao legislador, evitando interferir em demasia no debate público. Algumas restrições, contudo, resultaram de construções jurisprudenciais.

    É o caso da interpretação sobre o que configura um pedido explícito de voto, que não se limita ao “vote em mim”; ou da vedação ao uso de meios proibidos de propaganda eleitoral já na pré-campanha; ou, ainda, da exigência de modicidade nos gastos, justamente para evitar que se façam, na prática, duas campanhas — uma na pré e outra no período oficial. Vale lembrar, nesse contexto, o conhecido caso da senadora Selma Arruda.

    A presunção é de que toda manifestação feita no período de pré-campanha é legítima, justamente porque assim o quis o legislador, ao trazer poucas vedações. O que irá definir se a manifestação é ou não válida, à luz da lei e da jurisprudência, é o seu conteúdo e os meios utilizados para sua divulgação.

    A norma sobre propaganda antecipada jamais deveria ser usada para inibir a atuação política legítima. O debate público na pré-campanha só pode ser cerceado nos estritos limites da lei vigente, válida e eficaz, em situações excepcionais e conforme parâmetros já estabelecidos antes da manifestação. Afinal, não se pode — ou, ao menos, não se deveria poder — criar ilícitos pós-fato por via interpretativa. Isso é princípio secular.

    Os riscos jurídicos e políticos da chamada “censura velada” na pré-campanha são inúmeros. Quem tem poder tende a dele abusar — o velho Montesquieu já nos alertava. Devemos, portanto, estar vigilantes. A lei, desde que vigente, válida e eficaz, deve ser o parâmetro. Refutamos os casuísmos — especialmente num contexto de significativa redução do tempo de campanha oficial, um período, diga-se, bastante curto.

    Parece haver, no Brasil, uma verdadeira tara por cercear. Lembro-me aqui de um grande professor: o Brasil talvez seja o único lugar democrático do mundo onde não se pode falar de política em época de eleição. Que não sejamos assim.

    Não há, portanto, segurança jurídica suficiente para os pré-candidatos que desejam se manifestar politicamente — nem para nós, advogados eleitoralistas. Por isso, reitero: a lei deve ser o melhor guia. Até porque não se pode criar ilícitos após o fato, nem mesmo via interpretação judicial.

    A Justiça Eleitoral pode — e deve — equilibrar a preservação da isonomia eleitoral com o respeito à liberdade de expressão, cumprindo a lei e aplicando, de forma transparente, os julgados já consolidados sobre a matéria, sem criar interpretações restritivas após os fatos ocorrerem.

    Nesse contexto, o Ministério Público Eleitoral exerce seu papel de fiscalização, como deve ser. Porém, a despeito disso, não pode assumir um papel censor. Tampouco pode — como infelizmente se vê em alguns cantões do país — sair expedindo orientações do que se pode ou não fazer. Esse não é o papel da instituição.

    A liberdade deve ser o farol. Isso não significa que restrições não possam existir — elas são necessárias, inclusive. Mas restrições são exceções, e devem continuar sendo. Pedido explícito de voto é vedado. Meios proscritos de propaganda são vedados. Uso desmedido de recursos é vedado. Para além disso, não vejo como restringir. Seria demasiado.

    *Guilherme Barcelos, Doutor em Direito pelo IDP/DF. Mestre em Direito Público pela Unisinos/RS. Pós-graduado em Direito Constitucional (ABDCONST) e em Direito Eleitoral (Verbo Jurídico). Graduado em Direito pela Urcamp/RS. Membro Fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP). Membro do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (IGADE). Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-DF. Consultor-nacional da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ. Membro associado-efetivo do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS). Professor da Pós-graduação em Direito Eleitoral da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Advogado, Sócio Fundador da Barcelos Alarcon Advogados (Brasília-DF).

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