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    Guerra dos chips: entenda o novo "petróleo" da era digital

    Como transistores, circuitos integrados e microprocessadores são alvos de disputas entre as duas maiores potências globais e moldam o futuro do mundo

    Guerra dos chips: entenda o novo.Como transistores, circuitos integrados e microprocessadores são alvos de disputas entre as duas maiores potências globais e moldam o futuro do mundoCréditos: Shutterstock
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    Celulares, carros, computadores, satélites, máquinas hospitalares, armas de guerra e até geladeiras inteligentes têm algo em comum: todos funcionam graças a minúsculos componentes eletrônicos chamados chips. Dentro deles estão os microprocessadores, formados por circuitos integrados, compostos por milhões ou bilhões de transistores. Essa estrutura invisível sustenta a era digital, move a economia global e, hoje, está no centro de uma disputa geopolítica conhecida como a "guerra dos chips".

    EUA x China

    A rivalidade tecnológica entre Estados Unidos e China entrou em uma fase mais intensa e estratégica com a volta de Donald Trump à presidência em 2025. A chamada “guerra dos chips” ultraou o campo comercial e se consolidou como uma disputa geopolítica de alto impacto, envolvendo sanções, tarifas, diplomacia tecnológica e segurança nacional.

    O governo Trump reforçou o bloqueio tecnológico contra a China, impondo sanções à Huawei e pressionando países aliados, como Holanda e Japão, a restringirem o fornecimento de equipamentos críticos. Além disso, reativou a guerra tarifária, elevando impostos sobre importações chinesas para até 145%, medida respondida por Pequim com tarifas de 125% sobre produtos tecnológicos dos EUA. Uma trégua provisória de 90 dias reduziu temporariamente essas taxas, buscando conter danos à cadeia global de suprimentos.

    Em paralelo, os EUA firmaram acordos estratégicos com países do Oriente Médio para expandir o uso de chips da Nvidia, visando conter a influência da China na região. Contudo, a tentativa de Washington de repatriar a produção de semicondutores enfrenta entraves logísticos, como evidenciado pelos atrasos e dificuldades da TSMC no Arizona.

    Do outro lado, a China intensificou sua política de autossuficiência tecnológica iniciada com o plano “Made in China 2025”. O país investe bilhões de dólares em empresas como a SMIC, que já produz chips de 7 nm mesmo sob embargo, além de promover alternativas como arquiteturas RISC-V e chips fotônicos. O governo chinês também vem substituindo tecnologia estrangeira em órgãos públicos e ampliando suas parcerias com países do Sul Global, incluindo Irã, Rússia, Paquistão e países de África e da América Latina, incluindo o Brasil.

    No discurso oficial, o presidente Xi Jinping enxerga a tecnologia como “o principal campo de batalha da nova era” e aposta na inovação nacional para romper o cerco dos EUA. Com Taiwan no centro da tensão e a indústria global altamente interdependente, o desfecho dessa disputa poderá redefinir o controle sobre a inteligência artificial, a segurança digital e a soberania econômica no século XXI.

    Como funcionam os cérebros eletrônicos da era digital

    Por trás de cada equipamento eletrônico há uma engenharia invisível feita de componentes microscópicos que revolucionaram a tecnologia moderna. Transistores, circuitos integrados e microprocessadores formam a base da computação contemporânea — e entender como cada um funciona ajuda a compreender por que eles estão no centro das disputas geopolíticas e do avanço da inteligência artificial.

    O que é um transistor?

    O transistor é o componente básico da tecnologia moderna. Criado em 1947 por cientistas da Bell Labs, funciona como um interruptor eletrônico em miniatura: pode ligar ou desligar o fluxo de eletricidade e também amplificá-lo. Com três partes — emissor, base e coletor —, o transistor permite o controle de sinais elétricos com precisão. Em computadores, representa os números 0 e 1, base do sistema binário.

    O que é um circuito integrado?

    O circuito integrado (ou chip) é uma pequena pastilha de silício que reúne diversos componentes eletrônicos em um só lugar. Surgido em 1958, permitiu condensar funções eletrônicas em um único ponto, tornando os dispositivos menores, mais rápidos e eficientes. É como miniaturizar uma placa-mãe inteira.

    O que é um microprocessador?

    O microprocessador é o "cérebro" dos dispositivos eletrônicos. Criado nos anos 1970, ele é um circuito integrado especial que executa instruções e processa informações. Tudo o que fazemos em dispositivos digitais — abrir apps, calcular, rodar vídeos — a por ele. Chips modernos têm bilhões de transistores, organizados para operar milhões de instruções por segundo.

    A guerra dos chips: uma disputa global e invisível

    Os semicondutores se tornaram tão estratégicos quanto o petróleo no século XX. Controlar sua produção significa dominar a inovação, a segurança nacional e a economia global. Os Estados Unidos lideram o design de chips com empresas como Intel, Nvidia e AMD, e também os softwares de projeto (EDA). Mas dependem da TSMC, em Taiwan, que fabrica mais de 90% dos chips mais avançados do mundo.

    A China é a maior consumidora global de chips, mas depende de tecnologia estrangeira para fabricar os modelos mais sofisticados. Em resposta, investe em autossuficiência tecnológica, por meio de empresas como a SMIC e do plano industrial Made in China 2025.

    No centro da disputa estão países e empresas estratégicas: Taiwan (TSMC), Holanda (ASML), Coreia do Sul (Samsung) e a União Europeia (European Chips Act).

    10 os para fabricar um chip

    A produção de chips é uma obra-prima da indústria, unindo química de precisão, física quântica e engenharia de materiais, em ambientes onde uma partícula de poeira pode comprometer tudo. Confira o processo:

    1. Extração e purificação do silício: obtido da areia, o silício é purificado até quase 100% e moldado em lingotes ultra puros.
       
    2. Corte em wafers: os lingotes são fatiados em lâminas finas (wafers), polidas e preparadas para a gravação dos circuitos.
       
    3. Design digital: engenheiros projetam o chip com software especializado (EDA), definindo a disposição de bilhões de transistores.
       
    4. Fotolitografia: uma máquina projeta luz ultravioleta sobre o wafer, imprimindo o desenho do circuito em uma camada fotossensível.
       
    5. Deposição de materiais: camadas de cobre, semicondutores e isolantes são aplicadas e gravadas em escala nanométrica.
       
    6. Repetição em várias camadas: esse processo se repete de 30 a 100 vezes, criando a estrutura tridimensional do chip.
       
    7. Teste inicial do wafer: os chips ainda conectados são testados; os defeituosos são marcados para descarte.
       
    8. Corte do wafer: ele é cortado em centenas ou milhares de chips individuais (dies).
       
    9. Encapsulamento: cada chip é protegido por uma estrutura com contatos metálicos e preparado para conexão com sistemas eletrônicos.
       
    10. Teste final e envio: os chips am por testes de uso real antes de serem enviados a fabricantes de eletrônicos.

    A cadeia global dos chips: interdependente e vulnerável

    A produção de chips é altamente globalizada. Nenhum país domina todas as etapas:

    • Design: feito principalmente nos EUA (Intel, AMD, Nvidia, Apple, Qualcomm) e no Reino Unido (ARM).
       
    • Fabricação: liderada por TSMC (Taiwan), Samsung (Coreia do Sul), SMIC (China) e Intel Foundry (EUA).
       
    • Equipamentos: ASML (Holanda) é a única fabricante de máquinas EUV; Applied Materials, Lam Research e Tokyo Electron atuam em gravação, deposição e inspeção.
       
    • Matérias-primas: silício (China, EUA, Japão), gases raros (Ucrânia, Rússia, Coreia), metais como tântalo e tungstênio (Congo, Brasil, África do Sul).
       
    • Montagem e testes: concentrados em China, Malásia, Filipinas, Vietnã, com destaque para ASE Group, Amkor e JCET.

    Riscos e disputa de poder

    A cadeia de chips é eficiente, mas frágil. Se a ASML for impedida de exportar ou se Taiwan sofrer instabilidade política, a produção global de eletrônicos entra em colapso. Os chips são hoje alvos de sanções, espionagem, guerra comercial e diplomacia de alto risco. Quem dominar essa tecnologia, dominará também a próxima geração de inovação e poder mundial.

     

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