O sistema de navegação por satélite BeiDou, desenvolvido pela China, consolidou-se como o principal concorrente do GPS dos Estados Unidos, abrindo uma nova frente na disputa tecnológica e geopolítica entre as duas potências.
Durante coletiva regular de imprensa do Ministério das Relações Exteriores da China nesta terça-feira (20), em Pequim, a porta-voz Mao Ning falou sobre a percepção disseminada pela mídia ocidental de que o BeiDou desafia o status global do GPS.
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Mao destacou que o BeiDou é uma realização notável das indústrias chinesas de navegação e posicionamento por satélite e uma inovação tecnológica para o mundo, reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU).
“A inovação tecnológica e o desenvolvimento industrial da China nunca têm como alvo nenhum país, muito menos desafiam alguém. O BeiDou foi desenvolvido pela China como um bem global para o mundo. Continuaremos a trabalhar com outros países no espírito de cooperação aberta e benefício mútuo, a fim de fornecer inovações tecnológicas mais avançadas que sirvam e beneficiem a humanidade”, afirmou a porta-voz.
Expansão do BeiDou
No último domingo (18), o governo chinês divulgou o white paper (livro branco) sobre o Desenvolvimento das Indústrias de Navegação por Satélite e Serviços de Posicionamento da China em 2025. Segundo o documento, as indústrias chinesas de navegação por satélite e serviços de posicionamento, especialmente o Sistema de Navegação por Satélite BeiDou, alcançaram avanços rápidos nos últimos anos.
O valor total da produção da indústria chinesa de navegação por satélite e serviços de posicionamento atingiu 575,8 bilhões de yuans (aproximadamente 79,9 bilhões de dólares americanos) em 2024, representando um crescimento anual de 7,39%, segundo o white paper divulgado pelo governo chinês.
O documento observa que, até o final de 2024, o número acumulado de pedidos de patentes em navegação por satélite no país ultraou 129 mil, consolidando a liderança da China na área. Além disso, cerca de 288 milhões de celulares estavam equipados com recursos de posicionamento habilitados pelo BeiDou.
De acordo com Yu Xiancheng, presidente da Associação Chinesa de Sistemas Globais de Navegação por Satélite (GNSS) e Serviços Baseados em Localização (LBS), o valor da produção de chips, algoritmos e dispositivos terminais diretamente relacionados ao setor atingiu 169,9 bilhões de yuans (cerca de 23,5 bilhões de dólares) em 2024.
O sistema BeiDou alcançou navegação de alta precisão em nível de faixa de rodagem, cobrindo mais de 99% das vias urbanas e rurais em todo o território chinês. Atualmente, fornece mais de 1 trilhão de serviços de localização por dia e sustenta um total diário de navegação superior a 4 bilhões de quilômetros.
Desde 2024, com a implementação da política de prioridade ao BeiDou e a substituição de produtos importados por nacionais, o setor manteve crescimento estável. Com um aumento anual de 4,8% no volume de patentes, a China reforça sua posição de destaque mundial no segmento.
A chamada “economia de baixa altitude” do país — que envolve aplicações em drones, veículos aéreos não tripulados e mobilidade urbana — já ultraa 500 bilhões de yuans (cerca de 69,4 bilhões de dólares) e pode alcançar 2 trilhões de yuans (aproximadamente 278 bilhões de dólares) até 2030.
Os serviços de posicionamento e navegação de alta precisão são pilares essenciais para essa nova economia. O BeiDou deverá integrar-se cada vez mais com tecnologias emergentes como 5G e inteligência artificial, expandindo seu impacto em áreas como logística aérea, turismo, mobilidade urbana e gestão pública.
Em 2024, as vendas internas de produtos com função de navegação e posicionamento ultraaram 410 milhões de unidades. Dentre elas, 294 milhões de smartphones com capacidade de posicionamento via satélite foram comercializados. Além disso, dispositivos voltados à internet das coisas (IoT), tecnologias vestíveis, veículos e equipamentos de alta precisão somaram mais de 120 milhões de unidades. O aumento da demanda fez com que diversos fornecedores de mapas digitais adotassem o BeiDou como sistema de posicionamento prioritário.
Aplicações em diversos setores
O sistema BeiDou tem registrado avanços significativos em setores como transporte, energia elétrica e consumo popular, elevando o padrão dos serviços de localização de alta precisão. Até o final de 2024, aproximadamente 13,5 milhões de terminais BeiDou foram instalados em veículos de transporte rodoviário, serviços postais e sistemas de metrô. No setor elétrico, mais de 500 mil terminais foram implantados para diferentes aplicações.
Na agricultura, o BeiDou também se destaca: em comparação com as plantadeiras tradicionais, os equipamentos não tripulados permitem um controle de plantio com precisão centimétrica, além de proporcionar ganhos substanciais de eficiência operacional.
Além disso, o sistema BDS viabiliza testes de estrada com veículos inteligentes conectados e possibilita a aplicação de tecnologias de direção assistida inteligente em mais de 50 cidades da China.
“O BDS não apenas atende à demanda interna, como também permite que pessoas de todo o mundo desfrutem de serviços públicos de navegação de alta qualidade fornecidos pela China”, afirmou Li Donghang, diretor do Instituto de Pesquisa em Tempo-Espaço BeiDou, da GLAC.
Da China para o mundo
Atualmente, os produtos e serviços do BeiDou já foram exportados para mais de 140 países e regiões. Reconhecido pelas Nações Unidas como fornecedor central de sistemas globais de navegação por satélite, o BeiDou (BDS) já foi totalmente integrado aos padrões de 11 organizações internacionais, incluindo setores como aviação civil, transporte marítimo e comunicações móveis.
Mais de 30 países africanos — entre eles Nigéria, Tunísia, Senegal, Camarões e Djibuti — já instalaram Estações de Referência Operacionais Contínuas (CORS) do BeiDou, que oferecem serviços de posicionamento de alta precisão aplicáveis em áreas como recursos hídricos, infraestrutura de transporte, agricultura e monitoramento meteorológico.
Na América do Sul, o Porto de Chancay, no Peru, tornou-se o primeiro porto inteligente a aplicar a tecnologia integrada “5G + BeiDou com posicionamento de alta precisão + inteligência artificial”.
BeiDou e a Nova Rota da Seda
A China vem intensificando a instalação de infraestrutura terrestre — como estações de monitoramento e CORS (Continuously Operating Reference Stations) — em países da Ásia, África e América Latina. Trata-se de uma estratégia coordenada de expansão geopolítica e tecnológica, que integra o sistema de navegação BeiDou à diplomacia econômica chinesa.
As estações CORS funcionam como pontos fixos em solo que recebem sinais dos satélites e os retransmitem com correções em tempo real, permitindo posicionamento de alta precisão, com margem de erro inferior a 10 centímetros — ou até milímetros, dependendo da aplicação.
Essa precisão é essencial para setores como agricultura de precisão, infraestrutura de transporte, gestão hídrica, monitoramento ambiental, cidades inteligentes, veículos autônomos e drones.
Ao instalar CORS em países parceiros, a China amplia o alcance prático e comercial do BeiDou, assegurando uma funcionalidade local otimizada — algo que não seria possível apenas com os sinais via satélite, sem o apoio dessas bases terrestres.
Mais de 30 países africanos — entre eles Nigéria, Tunísia, Senegal, Camarões e Djibuti — já contam com estações CORS integradas ao BeiDou, oferecendo serviços de posicionamento de alta precisão.
Na América do Sul, o Porto de Chancay, no Peru, tornou-se o primeiro porto inteligente a operar com a tecnologia combinada 5G + BeiDou + Inteligência Artificial, elevando significativamente sua eficiência logística.
Na Ásia, países como Paquistão, Tailândia e Cazaquistão — parceiros da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) — também vêm recebendo infraestrutura terrestre do BeiDou como parte de acordos de cooperação técnico-comercial com Pequim.
A instalação dessas infraestruturas segue projetos estratégicos ligados à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) e à Rota da Seda Digital, mecanismos pelos quais a China busca:
- Reduzir a dependência global do GPS dos EUA;
- Oferecer soluções "chave na mão" de navegação, conectividade e controle de dados;
- Criar dependência tecnológica favorável aos seus interesses diplomáticos e comerciais.
Ao exportar o BeiDou como um serviço integrado — combinando satélites, estações terrestres, software e e técnico — a China não apenas amplia seu soft power tecnológico, como também viabiliza acordos que envolvem infraestrutura física, serviços de telecomunicação e contratos para empresas chinesas em setores sensíveis.
Impactos geopolíticos
A relevância do BeiDou foi tema de um extenso relatório produzido pelo Belfer Center, da Universidade Harvard. A análise aponta que o sistema faz parte de uma estratégia de longo prazo da China para consolidar seu poder geopolítico por meio de tecnologias de uso dual — civil e militar.
A crescente presença global do sistema impõe à comunidade internacional o desafio de garantir que a infraestrutura digital crítica continue sendo segura, interoperável e alinhada com princípios de transparência e soberania nacional.
A consolidação do BeiDou como sistema global de navegação por satélite desenvolvido pela China representa um novo capítulo na competição geopolítica entre grandes potências. Lançado com cobertura mundial em 2020, o BeiDou não apenas rivaliza tecnicamente com o GPS dos Estados Unidos, como também se tornou um vetor estratégico para a expansão da influência econômica, militar e tecnológica da China — especialmente nos países em desenvolvimento.
Embora tenha origem militar, o governo chinês tem promovido o BeiDou como um bem público global, oferecendo dados gratuitos de posicionamento, navegação e tempo (PNT) para mais de 200 países.
Essa expansão preocupa Estados Unidos e União Europeia, que veem na proliferação das estações CORS e da infraestrutura BeiDou uma tentativa de redesenhar a ordem global da informação e do posicionamento espacial. Ao permitir que países em desenvolvimento em a depender cada vez mais do BeiDou, a China ganha influência sobre fluxos de dados, logística, vigilância e mobilidade — elementos centrais na geopolítica do século XXI.
O BeiDou tem funcionalidades exclusivas, como a comunicação bidirecional via satélite, o que levanta preocupações quanto ao uso potencial para vigilância ou interrupção de dados críticos em países que adotam amplamente a tecnologia. A crescente dependência de infraestrutura chinesa, especialmente em setores sensíveis como transportes, energia e telecomunicações, pode representar riscos à soberania tecnológica de nações parceiras.
No campo militar, o BeiDou já foi integrado a acordos de cooperação com países como Paquistão, Irã e Arábia Saudita, permitindo o uso de dados criptografados para sistemas de mísseis e drones. A colaboração com a Rússia, por meio do desenvolvimento conjunto de infraestruturas GNSS (como o GLONASS), também indica a formação de um ecossistema tecnológico alternativo ao dominado pelo Ocidente, baseado nos sistemas GPS (EUA) e Galileo (União Europeia).
Panorama global: GPS, BeiDou, GLONASS e Galileo
Quatro sistemas dominam o mercado global de navegação por satélite:
- GPS (EUA): Operado pelo Departamento de Defesa, com 31 satélites em órbita média (MEO). Precisão de cerca de 5 metros, podendo chegar a centímetros com correção.
- BeiDou (China): Mais de 40 satélites em MEO, GEO e IGSO. Cobertura global, com ênfase na Ásia. Precisão de até milímetros em aplicações avançadas. Único com comunicação bidirecional.
- GLONASS (Rússia): Desenvolvido na era soviética, com 24 a 27 satélites. Melhor desempenho em latitudes altas. Precisão entre 5 e 10 metros, com correção.
- Galileo (UE): Único sistema 100% civil. Mais de 25 satélites. Precisão de até 20 cm com o serviço HAS, sem necessidade de bases locais.
Dispositivos modernos combinam sinais desses sistemas (multi-GNSS), melhorando a precisão, cobertura e segurança — sobretudo em áreas urbanas ou de difícil o.