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    Brasileiros agora podem visitar a China sem visto - Por Rafael Henrique Zerbetto

    A política chinesa de isenção de vistos tem sido eficaz em facilitar e aprofundar o intercâmbio com outros países

    Brasileiros agora podem visitar a China sem visto - Por Rafael Henrique Zerbetto.Créditos: Fotomontagem Canva
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    Desde o dia 1º de junho, tanto brasileiros como cidadãos de Argentina, Chile, Peru e Uruguai podem visitar a China para negócios, turismo, visitas familiares, intercâmbios e trânsito, com estadia máxima de 30 dias.

    A inclusão desses cinco países sul-americanos na política unilateral de isenção de vistos da China foi anunciada em maio, logo após a visita do presidente Lula e de diversas outras autoridades da América Latina e do Caribe ao país asiático para a Cúpula China-CELAC deste ano.

    Elaborada após o fim da pandemia de Covid-19 como forma de acelerar a recuperação do setor de turismo, a política unilateral de isenção de vistos da China tem sido eficaz em facilitar e aprofundar o intercâmbio com outros países. A política de dispensa de visto permanecerá válida até o fim de maio de 2026, com possibilidade de extensão.

    A lista de países cujos cidadãos estão autorizados a visitar a China sem visto por um período máximo de 30 dias também inclui os seguintes países: Alemanha, Andorra, Austrália, Áustria, Bélgica, Bulgária, Brunei, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malásia, Malta, Mônaco, Montenegro, Macedônia do Norte, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia, Portugal, República da Coreia, Romênia e Suíça.

    Cidadãos de outros quatro países, Arábia Saudita, Omã, Kuwait e Bahrein, poderão se beneficiar dessa política de isenção de visto a partir do dia 9 deste mês.

    É importante destacar que o visto chinês continua sendo necessário para quem pretende trabalhar no país, permanecer no país por mais de 30 dias ou visitá-lo por algum motivo específico que exija visto. Em caso de dúvidas, recomenda-se entrar em contato com a representação consular chinesa mais próxima de sua residência para confirmar se o visto será necessário ou não.

    Anúncio chega em momento oportuno

    Este anúncio do governo chinês veio em um momento oportuno para os brasileiros. Nos últimos anos, o crescimento do intercâmbio entre os dois países tem sido, até certo ponto, prejudicado pelos procedimentos de visto, que burocratizam e aumentam o custo da viagem.

    No ano ado, por exemplo, duas orquestras de jovens brasileiros de comunidades carentes, os Meninos da Maré e a Orquestra do Forte de Copacabana, visitaram a China para apresentar um pouco da cultura brasileira. As viagens foram possíveis graças ao patrocínio de grandes empresas chinesas.

    O que mais impacta no custo de uma viagem dessas são as agens aéreas e a hospedagem. Mas as burocracias e custos relacionados à emissão de vistos, de um jeito ou de outro, acabam tornando a preparação para a viagem ainda mais complexa e demorada.

    Eu mesmo, durante minha primeira viagem à Ásia, em 2012, fui para um congresso no Vietnã e queria ter aproveitado a ocasião para conhecer a China, mas desisti por conta da exigência do visto: seria muito trabalho apenas para uma visita rápida ao país, então preferi ar mais tempo no país vizinho e deixar a China para depois.

    Muitos brasileiros tinham a oportunidade de vir à China para um evento ou ocasião repentina e acabavam não conseguindo devido ao custo ou à burocracia. Outro problema é o tempo: às vezes, a oportunidade de vir à China surge na última hora e não há tempo hábil para solicitar o visto. Com a isenção de visto, fica mais fácil viajar de última hora ou aproveitar uma outra viagem para dar um pulinho na China.

    No campo dos negócios, conheci muitos estrangeiros, inclusive jovens empreendedores de startups brasileiras, que buscam parceiros na China para viabilizar seus projetos e tranformá-los em produtos comerciais. A isenção de visto facilitará e estimulará viagens desse tipo, que tendem a gerar benefícios econômicos para os dois países.

    Facilitação de viagens melhora a imagem pública da China

    No início deste ano, a repentina popularização da rede social chinesa Xiaohongshu (RedNote) nos EUA incentivou muita gente a rever seus conhecimentos a respeito do país asiático: internautas estrangeiros se surpreenderam com os avanços da China em infraestrutura, alta tecnologia e muitos outros aspectos, descobriram a riqueza cultural do país e ficaram sabendo que o sistema de "crédito social" chinês, propagado pela mídia ocidental durante anos, nunca existiu.

    Essa experiência mostra que quanto mais a China facilitar as viagens de turistas estrangeiros, mais pessoas terão a oportunidade de verificar a situação in loco e descobrir por si mesmas a China real. O resultado disso será muito positivo para a imagem país.

    Há também outro problema a ser enfrentado: a política de trânsito sem visto na China, pelo menos no Brasil, causou confusão. A intenção das autoridades chinesas foi muito boa e muitos brasileiros aproveitaram a oportunidade para ear na China enquanto estavam a caminho de outro país. O problema é que as regras foram mal interpretadas.

    Há muitas razões para esses mal-entendidos. O idioma é certamente o principal problema: as políticas foram publicadas em chinês, em uma linguagem clara, mas os detalhes sobre as restrições e condições muitas vezes não estavam disponíveis em português, ou a tradução era ambígua ou pouco clara, e os meios de comunicação e sites de turismo publicaram apenas um resumo do conteúdo.

    É importante ressaltar que muitos turistas querem apenas saber se poderão entrar no país sem visto ou não, sem ler com atenção o restante das informações. Frequentemente, não prestam atenção ao fato de que o trânsito sem visto é limitado a alguns aeroportos e não é válido para todas as regiões do país.

    Mais importante ainda: muitas pessoas entenderam que trânsito sem visto na China seria o mesmo que dispensa de visto e divulgaram isso nas redes sociais, propagando desinformação.

    Vou ilustrar o problema com um caso concreto: há alguns meses, uma empresária brasileira precisou visitar a Região istrativa Especial de Hong Kong e a cidade vizinha de Shenzhen, na província de Guangdong. Ela pesquisou e confirmou que Guangdong está dentro da política de trânsito sem visto e não fez a solicitação.

    De Hong Kong, ela foi para Shenzhen de trem. Ao chegar, um policial explicou que o trânsito sem visto não está disponível na estação, apenas no aeroporto, e que ela precisaria retornar a Hong Kong. Não houve erro do governo chinês, as condições do trânsito sem visto indicam claramente que a política não se aplica a estações ferroviárias, mas experiências como essa são desagradáveis ??e desencorajam as pessoas a visitar a China.

    Para mim, a inclusão do Brasil na política de trânsito sem visto é um grande alívio, pois, nos últimos meses, vários brasileiros não prestaram atenção às condicionantes do trânsito sem visto e tiveram problemas ao chegar à China. 

    Agora a regra é muito clara e fácil de entender: você pode visitar a China sem visto por até trinta dias, então esses problemas não existirão mais. Isso traz segurança, confiança e tranquilidade ao viajante.

    Diferentes países, diferentes práticas

    Acostumado à vida cotidiana da China, notei que a política de trânsito sem visto do país segue a ideia básica de outras políticas adotadas em outras áreas: experimentá-las em alguns lugares e, em seguida, adaptá-las gradualmente. Esse método provou-se sábio e eficaz, mas, por contrariar as práticas de outros países, costuma ser mal-compreendido por estrangeiros.

    Um bom exemplo dessa diferença é que, na China, o processamento de diversas autorizações, como residência, trabalho, estudo, etc., é de responsabilidade do governo provincial, diferentemente da prática na maioria dos países, onde a autoridade nacional decide sobre tais questões.

    Assim, por exemplo, quando um trabalhador brasileiro se muda de Pequim para Xangai, sua permissão de trabalho em Pequim deve ser cancelada e as autoridades de Xangai emitem uma nova permissão de trabalho.

    Já um chinês residente no Brasil pode se mudar para qualquer cidade do país sem precisar alterar seu visto e outros documentos, como F e Carteira de Trabalho, pois os documentos que lhe permitem e viver e trabalhar no Brasil são válidos para todo o país.
    Embora o texto da lei descreva claramente os procedimentos, essa diferença nas práticas leva a mal-entendidos, pois é intuitivo imaginar que as práticas em outro país sejam semelhantes às do nosso.

    ei por esse choque quando cheguei à China e um chinês me perguntou quantos filhos era permitido ter no Brasil. Naquela época, a política do filho único ainda estava em vigor e muitos chineses supunham haver leis semelhantes em outros países.

    No que diz respeito à política de vistos chinesa, podemos dizer que a do trânsito sem visto se distancia das práticas às quais os brasileiros estão acostumados ao viajar para o exterior, enquanto a política de isenção de visto segue as mesmas regras às quais já estamos acostumados.

    De qualquer forma, continua válida minha observação sobre a importância de se levar em conta as diferenças em práticas de governança. Somente fortalecendo os intercâmbios entre os povos é que cada um pode compreender melhor as práticas dos outros. Essa troca não apenas traz riqueza cultural, como também previne mal-entendidos.

    Haverá reciprocidade para chineses em visita ao Brasil?

    Ao longo da história, o Itamaraty sempre adotou a reciprocidade em sua política de vistos com outros países. Isso levanta a questão: o Brasil deve anunciar, em breve, a isenção de vistos para chineses que forem ao Brasil?

    Responder essa pergunta não é tão simples: uma política de isenção de vistos depende de vários fatores, como riscos relacionados a imigração ilegal, tráfico de pessoas, entre outras questões. O rápido desenvolvimento da China nas últimas décadas trouxe um grande avanço em termos de qualidade de vida, reduzindo drasticamente tais riscos.

    Outra preocupação seria a enorme população da China: se os chineses fossem repentinamente autorizados a visitar o Brasil sem visto, o crescimento do turismo poderia ser grande demais, trazendo mais problemas que benefícios.

    Quanto a essa questão, a própria distância entre os dois países já ajuda a controlar o fluxo de turistas: a maioria dos chineses acha muito demorado e caro viajar para a América do Sul. Há também a questão da limitação de assentos nos voos entre Brasil e China, que pode ser usada para facilitar o controle do fluxo de turistas.

    Mas há também um outro ponto: o setor de turismo na América do Sul é pouco desenvolvido e carece de muito investimento. O aumento na quantidade de turistas chineses geraria demanda para investimentos no setor, o que poderia revolucionar o turismo brasileiro.

    Dados mostram que os turistas chineses são os que mais gastam no exterior, mas no Brasil eles ainda são pouquíssimos. No início de 2020, ao visitar Madri, encontrei as ruas enfeitadas com cartazes celebrando o Ano Novo Chinês. Duas semanas depois, no aeroporto de Frankfurt, vi lojas com anúncios em chinês. Isso nos dá uma ideia de quanto o Brasil poderia ganhar com a adoção da reciprocidade.

    Outro problema que me incomoda muito é a dificuldade relatada pelos chineses para obter visto para o Brasil, o que está causando perda de turistas e até mesmo de viagens a negócios.

    O recebimento dos pedidos de visto brasileiro na China é feito por empresa terceirizada e existe uma rede de despachantes que reserva a maioria dos horários de atendimento para depois vender a solução. Queixas são feitas não apenas por indivíduos e agências de turismo, mas até mesmo por empresas com investimento no exterior que precisam de visto para fazer negócios no Brasil.

    Se a China já aceita visita sem visto de brasileiros, por que não oferecer reciprocidade aos chineses? Isso contribuiria significativamente para fortalecer o intercâmbio e a amizade entre os dois povos, promoveria o desenvolvimento econômico e também facilitaria a reunião de famílias, visto que muitos casais sino-brasileiros têm dificuldades para visitar parentes no Brasil devido à necessidade de visto para cônjuge chinês.

    Por fim, havendo um motivo realmente sério para o Brasil não dar isenção de visto aos visitantes chineses, seria adequado, pelo menos, permitir aos turistas chineses fazer solicitação online, benefício que já é dado aos EUA e outros países que nunca se esforçaram para facilitar o visto dos brasileiros.

    * Rafael Henrique Zerbetto é editor estrangeiro do Centro Ásia-Pacífico do China International Communications Group. Jornalista brasileiro, reside em Pequim, capital nacional da China, há nove anos.

    ** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

     

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