Carta aberta ao presidente Lula e à primeira-dama Janja – Por Eduardo Meirelles
Com a iminente saída de duas ministras e a provável composição exclusivamente masculina, a nomeação de uma mulher negra, baiana e jurista exemplar torna-se mais que necessária: torna-se inadiável
Excelentíssimo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estimada Primeira-Dama Janja Lula da Silva,
O Brasil vive, neste momento, mais do que uma definição de nomes. Vivemos a oportunidade de realizar um gesto simbólico e institucional que unifique dois ideais: o da competência técnica e o da justiça histórica. A formação da lista tríplice para a vaga de ministra titular do Tribunal Superior Eleitoral, composta exclusivamente por mulheres oriundas da advocacia, representa uma mudança significativa no modo como o poder judiciário dialoga com a sociedade. A ministra Cármen Lúcia, ao conduzir esse processo, prestou um serviço à República e à democracia.
Em seu discurso, a ministra foi direta e contundente. Disse que o TSE hoje é composto majoritariamente por ministros homens, e destacou que seis deles são paulistas. Ressaltou que o Brasil é um país diverso, com pluralidades regionais, étnicas e sociais, e que essas vozes precisam estar refletidas nas instituições. Apontou que não há uma única mulher titular entre os integrantes do tribunal, na categoria de jurista. Disse ainda que, diante desse retrato, era impossível não se sentir incomodada. Essa fala, carregada de honestidade institucional e coragem moral, merece ser acolhida com seriedade por todos aqueles que se dedicam à construção de um país mais igualitário.
As três juristas que compõem a lista têm trajetórias honradas. Cristina Maria Gama Neves da Silva é advogada e magistrada do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal. Tem longa experiência no trato com as instituições da Justiça Eleitoral. Estela Aranha, reconhecida por seu trabalho no Ministério da Justiça, é voz ativa nos debates contemporâneos sobre direitos digitais e regulação de plataformas. É uma profissional competente, sintonizada com os desafios do presente. Mas é em Vera Lúcia Araújo que encontramos um ponto de inflexão.
Falo aqui também a partir de uma vivência pessoal. Sou jornalista formado pela Universidade de Brasília, onde concluí a graduação por meio das políticas de cotas destinadas a estudantes de baixa renda oriundos da escola pública. Também sou mestre em Design pela mesma universidade. Acredito, por formação e convicção, que o conhecimento precisa dialogar com a realidade de quem nunca teve o facilitado às estruturas de poder. Por isso, ver uma mulher como Vera Lúcia, negra, baiana, advogada popular chegar ao topo da Justiça Eleitoral seria mais do que representativo. Seria necessário. Vera Lúcia é baiana. É negra. É advogada há mais de 30 anos. É uma mulher que formou sua trajetória entre a periferia e os centros do poder. Já integrou conselhos nacionais de direitos humanos, presidiu comissões na OAB, atuou em projetos de justiça restaurativa e é, atualmente, ministra substituta do próprio TSE. Está, portanto, pronta para assumir a titularidade com pleno domínio das matérias eleitorais e sensibilidade política apurada.
Sua presença não seria apenas um marco representativo. Seria uma escolha de excelência jurídica. Seria também um compromisso com a reparação histórica. O poder judiciário brasileiro carece de vozes que expressem a realidade da maioria da população. A presença de uma mulher negra baiana, com trajetória irável e notório saber jurídico, responde a esse desafio com coerência e consistência. Não se trata de preencher um espaço simbólico. Trata-se de fazer justiça à própria ideia de república.
Excelentíssimo Presidente, a sua biografia é, em si, um testemunho da superação de barreiras e da valorização de trajetórias invisibilizadas. Não é necessário lembrar que foi sob sua liderança que o Brasil deu os fundamentais na promoção da igualdade racial e de gênero. Mas é justamente por isso que, neste momento, o país aguarda com esperança uma decisão que esteja à altura dessa história. É verdade que nas últimas indicações ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça, ao Tribunal de Contas da União e à Advocacia-Geral da União, os nomes escolhidos foram todos homens. Todos competentes, sim, mas em sua maioria, brancos e oriundos do eixo Sudeste.
Sabemos que as escolhas judiciais são delicadas e complexas. Mas a ausência de mulheres negras nesses espaços também é um dado objetivo e perturbador. A diversidade não é um favor. É um instrumento de legitimidade institucional. Vera Lúcia é uma jurista de prestígio. Não há uma só comissão, uma só conferência, uma só assembleia relevante no campo da justiça social em que seu nome não tenha sido citado com respeito. Ela tem autoridade técnica, tem experiência de corte, tem capacidade de diálogo e profundo compromisso democrático.
Querida Primeira-Dama Janja, sua atuação em defesa das mulheres e das populações vulnerabilizadas tem sido inspiradora. A senhora sabe, como poucas, o que significa estar entre os que nunca foram convidados à mesa do poder. Por isso, esse apelo se dirige também à senhora, com o mais alto respeito. Que o coração progressista do governo seja coerente com suas práticas. Que o gesto político de vossa excelência, Presidente Lula, seja guiado também pelo gesto humano de reconhecer que chegou a hora. O Brasil não pode mais esperar. O TSE precisa de Vera Lúcia.
A escolha agora é institucional. Mas será, inevitavelmente, um marco histórico. Que o futuro olhe para este momento com orgulho. Que este governo, que tantas vezes desafiou as elites para ouvir o povo, escolha ouvir também as vozes que sobem dos territórios negros, das mulheres da justiça, das periferias e das universidades que formaram juristas como Vera Lúcia.
Com respeito, confiança e esperança,
Eduardo Meirelles
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.