A série documental Operação Transplante é um sucesso de audiência no Brasil. Composta por oito episódios de 45 minutos, a produção acompanha 18 pacientes em diferentes estágios da fila de espera por transplantes de órgãos como coração, fígado, rim, pulmão, pâncreas-rim e medula óssea. Chama a atenção, no entanto, a ausência de um personagem essencial: o Sistema Único de Saúde (SUS).
A série estreou em 27 de março na plataforma Max e no canal Discovery Home & Health, rapidamente se tornando uma das produções mais assistidas pelas audiências nacionais. Com realismo e sensibilidade, a obra retrata os desafios enfrentados por pacientes, familiares e equipes médicas no processo de doação e transplante de órgãos no Brasil. Do momento da captação até o transporte e a cirurgia, o programa evidencia a complexidade logística e emocional envolvida.
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Além de informar, Operação Transplante cumpre um papel social fundamental ao fomentar o debate sobre a doação de órgãos — tema urgente ainda cercado por tabus. A série tem sido elogiada por sua abordagem honesta e por evitar romantizações, ao mostrar os bastidores do sistema brasileiro com todas as dificuldades burocráticas, emocionais e estruturais que o cercam.
A produção é uma coprodução da Mixer Films com a Warner Bros. Discovery, com direção de Rodrigo Astiz, e conta com apoio da Central de Transplantes da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, de hospitais públicos e privados, e das equipes médicas envolvidas.
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Confira o trailer
Omissão do SUS
Embora a série reforce o protagonismo brasileiro na área de transplantes, a ausência do SUS — pilar central do sistema — gera estranhamento e deixa no ar a relevância desse tesouro nacional.
Em 2024, o SUS consolidou sua posição como referência mundial em transplantes de órgãos, registrando o maior número da história. Somente no primeiro semestre, foram realizados 14.352 procedimentos em todo o país, superando os 13,9 mil do mesmo período de 2023.
Responsável por cerca de 88% dos transplantes no Brasil, o SUS garante o gratuito à população e conta com 728 estabelecimentos habilitados em todos os estados, o que assegura capilaridade e infraestrutura à rede nacional.
Transplantes em alta: dados de 2024
Entre os principais procedimentos realizados entre janeiro e junho de 2024, destacam-se:
- 4.580 transplantes de órgãos sólidos (rins, fígados, corações, pâncreas e pulmões);
- 8.260 transplantes de córnea;
- 1.512 transplantes de medula óssea.
Esse crescimento é resultado de políticas públicas voltadas à ampliação da capacidade hospitalar e à integração entre os centros de captação, transporte e transplante.
Desafios persistem: fila de espera e recusa familiar
Apesar dos avanços, desafios importantes permanecem. Até abril de 2024, mais de 71 mil pessoas aguardavam por um transplante no Brasil, sendo a maioria à espera de rins e córneas. Outro entrave é a alta taxa de recusa familiar, que se mantém em torno de 45%, afetando diretamente a quantidade de doações efetivadas.
Para enfrentar essas barreiras, o governo federal aposta em campanhas de conscientização e em medidas legislativas. A Política Nacional de Conscientização e Incentivo à Doação e ao Transplante de Órgãos e Tecidos, sancionada em novembro de 2023, prevê ações educativas e a inclusão do tema no currículo escolar. Já a Lei 14.858/2024 estabelece a reserva obrigatória de vagas em voos comerciais para o transporte de órgãos, reduzindo o tempo entre captação e transplante.
Destaques regionais: Paraná e Distrito Federal lideram
Entre os estados, o Paraná mantém-se como líder em doações de órgãos, com 42,3 doadores por milhão de habitantes em 2024 — mais que o dobro da média nacional. Já o Distrito Federal registra o maior índice de transplantes realizados por milhão de habitantes, com 93,5 procedimentos.
Esses dados reforçam não apenas o êxito do modelo público brasileiro, mas também o potencial solidário da sociedade. Ampliar o o, reduzir a fila de espera e superar barreiras culturais e logísticas são os próximos os para salvar ainda mais vidas.
Como funciona a fila de transplantes no Brasil?
No Brasil, todos os pacientes que precisam de transplante entram na mesma fila, independentemente de estarem em hospitais públicos ou privados. Essa fila é coordenada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT), vinculado ao Ministério da Saúde, com base em critérios técnicos como:
- Compatibilidade sanguínea e genética
- Tempo de espera
- Urgência médica
- Idade e peso (dependendo do órgão)
- Localização geográfica (tempo de transporte do órgão)
A fila não é por ordem de chegada, mas sim por prioridade clínica, o que garante equidade e justiça no processo. O sistema é informatizado, atualizado em tempo real e dividido por tipo de órgão. Cada estado possui uma central estadual de transplantes, articulada ao sistema nacional.
SUS: o pilar do sistema de transplantes no Brasil
O SUS é o principal responsável por coordenar, financiar e manter o sistema de transplantes no país. Entre suas funções estão:
- Garantir a manutenção da fila única e transparente
- Financiar exames, cirurgias, medicamentos e o acompanhamento pós-transplante
- Coordenar a logística de transporte de órgãos e equipes
- Credenciar hospitais privados e filantrópicos para realização dos procedimentos
Mesmo em hospitais privados, quando o transplante é realizado via SUS, o paciente não arca com nenhum custo. Já os transplantes totalmente particulares — fora do SUS — ocorrem apenas em casos de doação intervivos, como entre familiares. Ainda assim, essas cirurgias são reguladas por normas rígidas e não podem envolver pagamento ou qualquer forma de compensação financeira.
Transplantes com órgãos de doadores falecidos só podem ser realizados pela fila única. Qualquer exceção a isso configura ilegalidade.
Transplantes de órgãos em outros países
O transplante de órgãos é uma prática consolidada em diversos países, mas os modelos adotados variam significativamente em termos de financiamento, regulação e o. Do sistema público brasileiro à lógica privatizada dos Estados Unidos, ando pelo controle estatal da China e pelo modelo solidário predominante na União Europeia, cada realidade impõe seus próprios desafios e avanços.
Nos Estados Unidos, o modelo é misto, com transplantes realizados majoritariamente em hospitais privados. A gestão é feita pela UNOS (United Network for Organ Sharing), mas o o ao transplante depende da cobertura de planos de saúde. O custo de um único procedimento pode ultraar US$ 400 mil, o que impõe barreiras severas para pacientes sem seguro. Embora tecnologicamente avançado, o sistema é marcado por desigualdades.
A China tem avançado significativamente na reformulação de seu sistema de transplantes de órgãos, com a realização de cerca de 20.225 procedimentos em 2022 e a adoção do sistema informatizado COTRS para garantir transparência na alocação. Apesar do progresso, o país ainda enfrenta desafios importantes: a taxa de doadores por milhão de habitantes permanece baixa — 3,86 em 2022, colocando a China na 48ª posição global.
Já na União Europeia, predomina o modelo público universal, com forte cooperação entre países. Em grande parte do bloco, vigora a chamada “doação presumida” — todos são considerados doadores, salvo manifestação contrária. Programas como o Eurotransplant e o FOEDUS permitem o intercâmbio de órgãos entre países. A Espanha lidera o ranking mundial, com cerca de 46 doadores por milhão de habitantes, resultado de um sistema bem integrado e amplamente confiável.
Um ponto comum entre os modelos é a fila única, informatizada e baseada em critérios clínicos. Mas as formas de financiamento, os níveis de o e as culturas em torno da doação variam amplamente, refletindo as prioridades e desigualdades de cada sistema de saúde.