FOLHA SANTISTA

A formação de plateia na 2ª retomada do cinema brasileiro – Por André Azenha

O setor dá sinais de recuperação, após um período de estagnação entre 2019 e 2022, marcado pela extinção do MinC e pelo desmonte de políticas públicas

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A formação de plateia na 2ª retomada do cinema brasileiro – Por André Azenha
Cena do “O Auto da Compadecida 2”. Reprodução/Instagram

O cinema brasileiro vive, em 2025, um novo momento de efervescência criativa e de reconexão com o público. Após um período de estagnação entre 2019 e 2022, marcado pela extinção do Ministério da Cultura e pelo desmonte de políticas públicas para o setor, a reestruturação institucional e o retorno do MinC em 2023 sinalizaram uma segunda retomada do audiovisual - o termo é uma analogia ao processo iniciado nos anos 1990.

Naquele período, após o colapso da Embrafilme e o esvaziamento da produção nacional durante o governo Collor, o cinema brasileiro renasceu: “Lamarca” (1994, de Sérgio Rezende), “Carlota Joaquina: Princesa do Brazil” (1995, de Carla Camurati), considerado o marco oficial da retomada, seguido por “O Quatrilho” (1995, de Fábio Barreto), “Tieta do Agreste” (1996, de Cacá Diegues), “O que é Isso Companheiro?” (1997, de Bruno Barreto) (“O Quatrilho” e “O que é Isso Compabheiro?” foram indicados ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira), “Cidade de Deus” (2002, de Fernando Meirelles e Kátia Lund), que recebeu quatro indicações ao Oscar, e tantos outros reconectaram o cinema brasileiro ao público, à crítica e ao prestígio internacional.

Hoje, a produção audiovisual brasileira volta a pulsar. O Santos Film Fest – Festival de Cinema de Santos, por exemplo, bateu recorde de inscrições para sua 11ª edição, que acontece de 24 de junho a 2 de julho: quase 900 filmes inscritos, sendo cerca de 100 longas-metragens e 800 curtas. O sucesso de público e crítica de filmes como “Ainda Estou Aqui” (2024, de Walter Salles), vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional, “O Auto da Compadecida 2” (2025, de Guel Arraes), que ultraou 4 milhões de espectadores, “Vitória” (2025, de Andrucha Waddington), protagonizado por Fernanda Montenegro, e “Nosso Lar 2 – Os Mensageiros” (2024, de Wagner de Assis), que levou mais de 500 mil espectadores aos cinemas em seu primeiro fim de semana, demonstram que o público está ávido por narrativas nacionais.

No entanto, para que esse novo ciclo se consolide, é fundamental investir na formação de plateia. A Coreia do Sul é exemplo de sucesso nesse aspecto: após décadas de políticas públicas de fomento, incluindo bolsas para jovens cineastas estudarem no exterior (desde que voltassem e produzissem obras em sua terra-natal) e cotas de tela para produções locais, o país se tornou um polo exportador de filmes, séries e música pop. Além de “Parasita”, vencedor de quatro estatuetas no Oscar, incluindo melhor filme e direção.

No Brasil, existem cinemas que vêm desenvolvendo ações de aproximação com o público por meio de sessões inclusivas, projetos com escolas públicas e mostras temáticas, mas essas práticas ainda são exceção. O desafio é pensar o cinema não apenas como arte ou indústria, mas um hábito cultural que precisa ser cultivado.

Por outro lado, muitos festivais ainda reproduzem um modelo verticalizado de exibição de filmes em comunidades de baixa renda, sobretudo com curtas-metragens live-action densos, experimentais ou de linguagem inível ao público-alvo. Muitas vezes, esses curadores adotam uma postura quase catequizadora, ignorando a escuta ativa com lideranças comunitárias e agentes locais. É necessário que festivais e projetos públicos tratem a curadoria como um processo de encantamento — e não de imposição —, para que o cinema realmente funcione como elemento de criação de vínculo, imaginação e desejo.

Nesse sentido, a animação brasileira tem se mostrado um caminho potente e negligenciado. O Santos Film Fest é prova disso: a cada edição, revela curtas de animação de qualidade técnica e narrativa altíssimas, capazes de reunir crianças, pais e avós diante da tela. A animação é, dentro do universo cinematográfico, o elo agregador entre gerações, e deveria ser um segmento tratado com mais carinho e atenção pelos editais de fomento e pelos festivais. A formação de plateia também depende de afeto, de acolhimento, de escolha criteriosa de obras que estabeleçam conexão imediata com públicos diversos.

Outro ponto fundamental é o cuidado com a distribuição: não adianta produzir mais de 100 longas-metragens por ano se a maioria não consegue chegar ao público. Mesmo cidades com tradição cinematográfica, como Santos, exibem menos de um terço dessa produção no circuito comercial. Exibições públicas, itinerantes e parcerias com redes de ensino e espaços culturais são essenciais para quebrar essa barreira. Projetos como o Cine Comunidade, que exibe curtas de animação seguidos por blockbusters-surpresa, têm mostrado que é possível atrair público e apresentar a produção nacional de forma estratégica e afetiva.

É fundamental lembrar que cinema é arte, e também é produto. Os realizadores precisam investir em boas campanhas de divulgação, cartazes bem feitos, sinopses claras e estratégias de circulação que dialoguem com o público final. E os editais e leis de incentivo devem priorizar não apenas a produção, mas também a exibição e distribuição.

A formação de plateia é um trabalho de longo prazo. E indispensável. Sem ela, qualquer retomada corre o risco de ser apenas ageira. Com ela, o cinema brasileiro pode ocupar de vez o lugar que merece: o coração do seu próprio povo.

*André Azenha é diretor-geral do Santos Film Fest - Festival de Cinema de Santos.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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